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Qual melhor horário para tomar anti-hipertensivos?

Um estudo publicado pela European Society of Cardiology (Sociedade Europeia de Cardiologia), nos ajuda a responder essa pergunta.

O estudo acompanhou 19 mil pacientes com Hipertensão Arterial, com o objetivo de comparar o uso de anti-hipertensivo  bedtime (na hora de dormir) com o tradicional uso pela manhã ao acordar.

A conclusão do estudo foi:

A ingestão diária de pelo menos um anti-hipertensivo bedtime (antes de dormir), em oposição ao tratamento tradicional pela manhã ao acordar, resultou em vários benefícios, e diminuiu de forma significativa a ocorrência de eventos cardiovasculares (infarto do miocárdio, AVC, insuficiência cardíaca e mortes cardiovasculares).

Bedtime hypertension treatment impoves cardiovascular risk reduction

Qual foi a redução do risco relativo de eventos cardiovasculares observada no estudo em questão?

The Hygia Chronotherapy Trial  teve como resultado:

  • Morte cardiovascular: 56% redução relativa de risco
  • Infarto do miocárdio: 34% redução relativa de risco
  • Necessidade de revascularização miocárdica (cirurgia ou implante de stents): redução de 40% redução relativa de risco
  • AVC: redução de 49% redução relativa de risco
  • O uso dos medicamentos anti-hipertensivos à noite esteve associado a uma redução significativa de eventos cardiovasculares (45 % de redução relativa de risco no desfecho composto de morte cardiovascular, infarto, acidente vascular cerebral, insuficiência cardíaca, ou revascularização coronária)

Para maiores detalhes acesse o estudo completo, publicado em Outubro de 2019 no European Heart Journal | Oxford Academic pela Sociedade Europeia de Cardiologia – Cardiovascular risk reduction – The Hygia Chrnotherapy Trial

ESTE TÓPICO FOI ATUALIZADO

Melhor Horário para Tomar Remédio para Pressão Arterial: Baseado no The Hygia Chronotherapy Trial

Quer dizer que preciso tomar meus remédios na hora de dormir (bedtime)?

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Talvez, há uma tendência para que isso ocorra cada vez mais, porém cada caso deve ser analisado individualmente pelo médico responsável.

Há vários fatores que devem ser levados em consideração, como por exemplo:

Alguns remédios podem levar a efeitos colaterais (exemplo: diurese) se tomados a noite e diminuir sua qualidade do sono.

Pode ser que você já tome algum medicamento a noite e nesse caso, precisaria avaliar se não vai ter interação medicamentosa.

Minha sugestão é que não faça nenhuma mudança sem antes conversar com seu médico, que tem o conhecimento de como agem os diferentes anti-hipertensivos, irá avaliar o comportamento da sua pressão arterial, avaliar os riscos e saberá se há benefício em modificar o horário.

Minha opinião como especialista:

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Em um primeiro ponto de vista, considero os resultados divulgados impressionantes.

O estudo foi com um número elevado de pacientes, cerca de 19 mil.

Outro ponto interessante é que o estudo não foi financiado pela indústria farmacêutica. O Trial não teve objetivo de analisar qualquer laboratório ou marca de medicamento. Ou seja, a indústria farmacêutica não ganha nada com esse resultado do estudo, pois não fala a favor de nenhum medicamento novo, patenteado, sendo a princípio um estudo sem conflitos de interesse. Os próprios autores do Trial, financiados pelo Governo da Espanha, relataram não haver nenhum conflito de interesse a declarar.

Vimos também que a incidência de infarto, AVC e óbito foi grande. No seguimento médio de 05 a 06 anos, 3246 tiveram alguma complicação (17%) e 1714 pacientes (9%) tiveram uma complicação cardiovascular grave (infarto do miocárdio, AVC, insuficiência cardíaca, revascularização miocárdica, morte cardiovascular). Isso demonstra mais uma vez a importância de se tratar adequadamente a Hipertensão Arterial. Reforçando que não foi um estudo onde comparou um grupo que estava tomando remédio e o outro não estava. Os dois grupos estavam tomando medicamentos e mesmo assim a incidência de complicações foi grande (porém bem menor no grupo que tomou o remédio na hora de dormir e controlou melhor a hipertensão noturna). Dessa maneira, não foi um estudo que acrescenta medicamentos, e sim, simplesmente modifica o horário. Por fim, os resultados foram bem significativos.

O fato do tratamento com o anti-hipertensivo antes de dormir ter mostrado benefício foi surpresa?   

A maior surpresa do estudo foi o enorme benefício alcançado nos resultados. Porém, já tínhamos recomendações, em alguns casos, de usar um anti-hipertensivo a noite, além de estudos mostrando o perigo da hipertensão noturna.

A Diretriz Brasileira de Hipertensão de 2016 já relatava algumas situações de recomendação de anti-hipertensivos de uso noturno.

Um dos exemplos é o caso do tratamento da Hipertensão Arterial Resistente, com uma recomendação de prescrever uma ou mais das medicações à noite.

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Seguem trechos retirados da 7° Diretriz Brasileira de Hipertensão da Sociedade Brasileira de Cardiologia:

“A cronoterapia orientada pela MAPA, com pelo menos uma das medicações anti-hipertensivas administrada à noite, foi capaz de melhorar o controle pressórico e reverter o padrão não-dipper desfavorável nesses pacientes, bem como reduzir a morbimortalidade cardiovascular (Quadro 3 – acima)”

“Na Hipertensão Arterial Resistente verdadeira ou mascarada a medicação deve ser progressivamente ajustada com introdução de doses noturnas de anti-hipertensivos”

Além disso, na 6ª Diretrizes de Monitorização Ambulatorial da Pressão Arterial (MAPA) de 2018, foi citado:

“Diferentes parâmetros obtidos pela MAPA podem ser utilizados na estratificação do risco cardiovascular.

As médias de pressão arterial sistólica e de pressão arterial diastólica de 24 horas, vigília e sono correlacionam-se mais fortemente com lesões de órgãos-alvos, morbidade e mortalidade do que as medidas casuais.

Dados obtidos sobre o comportamento da pressão arterial durante o sono também têm demonstrado capacidade de fornecer informações sobre o risco cardiovascular com associação independente entre o aumento da Pressão Arterial Sistólica durante esse período e a mortalidade cardiovascular.

Em relação ao prognostico vinculado ao descenso da PA durante o sono, foi demonstrada redução de 17% no risco cardiovascular para cada diminuição de 5 mmHg na média de Pressão Arterial Sistólica nesse período do exame em um estudo com mais de 3 mil indivíduos acompanhados, em média, por 5,6 anos.

Adicionalmente, a maior sobrevida obtida com a redução da Pressão Arterial durante o sono foi observada com o uso de, no mínimo, um anti-hipertensivo à noite. A associação independente do padrão de descenso da PA e eventos cardiovasculares foi igualmente demonstrada em coorte de hipertensos resistentes. Uma queda da PA menor que 10% ou sua elevação durante o sono associou-se independentemente com desfecho combinado de eventos cardiovasculares e mortalidade total após seguimento médio de 4,8 anos.”

Veja link sobre o que é MAPA?

Porque será que teve tanto benefício em utilizar um anti-hipertensivo noturno?

Medicine research of human heart

No Guideline Europeu de 2018 sobre hipertensão, temos menção sobre o perigo da hipertensão noturna:

“Estudos que compararam a pressão arterial durante o dia e a noturna no mesmo modelo estatístico, evidenciaram que a pressão arterial noturna é um preditor de eventos cardiovasculares mais forte do que a Pressão Arterial durante o dia.”

“A relação entre diurno e noturno é também um significante preditor de desfechos cardiovasculares, e pacientes com um redução no descenso noturno da Pressão Arterial (ex. <10% de queda na Pressão Arterial durante o sono) têm um risco cardiovascular aumentado. Além disso, naqueles que não tem queda na pressão arterial noturna em relação a média do período diurno (vigília), há um substancial aumento do risco.”

“A hipertensão mascarada (aquela em que a pressão no consultório é normal, porém ocorre alteração em um exame de MAPA ou MRPA) também demonstrou aumentar o risco de uma doença cardiovascular e eventos renais em diabéticos, especialmente quando a pressão arterial se eleva durante o sono.”

Os Guidelines atuais de Hipertensão (Europeu e Americano) e a Diretriz Brasileira, já têm evidências de que a hipertensão noturna (que ocorre durante o sono), é um importante preditor de complicações cardiovasculares. Cada vez surgem mais evidências relacionando o descontrole pressórico durante o sono, ou a ausência do descenso noturno (quando a pressão cai menos do que 10% durante o período do sono), a risco aumentado de complicações cardiovasculares.

Esse é um ponto importante que pode explicar os benefícios de usar um medicamento a noite, para melhor controle da hipertensão noturna, com os desfechos favoráveis relacionados ao estudo.

Analisando com maiores detalhes a descrição completa do estudo, existe a hipótese do medicamento de uso noturno interferir na liberação de hormônios benéficos durante a noite, o que também poderia contribuir para o efeito positivo observado.

Conclusão:

Estão surgindo cada vez mais evidências de que anti-hipertensivos tomados na hora de dormir podem ajudar na prevenção de eventos cardiovasculares. Entretanto, cabe ao médico avaliar individualmente quem pode e se beneficiará do anti-hipertensivo á noite (bedtime), e aqueles que não necessitam ou não podem realizar tal modificação.

Resta a nós médicos nos mantermos atualizados e atentos para reconhecer quais pacientes necessitam de melhor controle da pressão arterial durante o período do sono, reduzindo o risco de infarto, insuficiência cardíaca, AVC e óbito em idade precoce e colocar isso em prática.

Espero ter contribuído com alguma informação relevante.

Editor do texto Dr. Rafael Vinicius Otsuzi – médico cardiologista na Clínica Endocárdio

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Melhor Horário para Tomar Remédio para Pressão Arterial: Baseado no The Hygia Chronotherapy Trial

2 comentários em “Qual melhor horário para tomar anti-hipertensivos?”

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