O ano do Exército Brasileiro (2008) foi uma experiência totalmente diferente na minha profissão de médico, em que tive uma qualidade de vida muito boa e que trago boas recordações.
Mas antes de falar da rotina da vida no exército, vou explicar o contexto em que tive esse objetivo de servir o Exército.
Como foi a origem do meu objetivo de ir para o Exército Brasileiro?
Todo aluno de faculdade pública do Estado de São Paulo (Medicina USP, Escola Paulista de Medicina, Medicina USP Ribeirão, entre outras), ao final do último ano de medicina, tem que prestar uma prova do Exército, Marinha e Aeronáutica. Somos os responsáveis por preencher as vagas de médicos no Estado de São Paulo e na região do Amazonas.
No meu caso, minha família dependia de um comércio que meu pai havia deixado após falecimento. Esse comércio entrou em total falência e o dinheiro acabou durante a minha faculdade. Minha irmã estudava na USP de São Carlos e também precisava de dinheiro para se manter fora da nossa cidade Natal. A solução foi vender o que tínhamos. No segundo ano de faculdade vendemos uma casa como forma de ter um dinheiro suficiente para mim e meus irmãos. Mesmo com a venda da casa, nos meus últimos anos de faculdade, estávamos praticamente sem dinheiro. Eu morava em uma república com 07 amigos, mas tinha o melhor quarto da casa. Porém nessa época, de aperto financeiro, decidi mudar para um dos piores quartos da casa, o que ficava do lado da sala, e em frente a garagem, ou seja, um quarto pequeno com muito barulho ao redor. Essa mudança foi para economizar 30 reais por mês.
Para ser sincero, depois de um tempo, o meu quarto já não era o pior quarto da casa. Para ajudar um amigo que morava na Casa de Estudante, mas não estava se dando bem, criamos um quarto extra, que era o quartinho de despesa usado pela empregada. Esse meu amigo, hoje um neurocirurgião, morava nesse quarto super apertado e criou um mecanismo para ele poder dormir e estudar. Quando queria dormir, suspendia a mesa de estudo na parede de frente. Quando queria estudar, suspendia a cama na parede de trás e colocava uma cadeira. Achei interessante relatar isso, pois talvez as pessoas pensem que estudar na USP é para quem tem dinheiro; mas, mesmo antes de existirem as cotas, já entrava na faculdade, várias pessoas que não tinham tanto dinheiro assim.
Pois bem, dito minha situação financeira ruim, foi atrás de bolsas estudantis para me sustentar e consegui uma bolsa no Bunkyo, uma associação Japonesa que ajudava descendentes e depois eu devolveria o dinheiro que seria usado para ajudar outras pessoas. Minha irmã também me ajudou no último ano de faculdade, quando ela já estava formada, a quem eu agradeço muito.
Dessa forma, eu queria ansiosamente me formar logo e poder trabalhar. Porém já que estamos no assunto vida de médico, confesso que a imensa maioria dos meus colegas estavam focados apenas em fazer residência médica. Eu, sem sombras de dúvidas, queria somente trabalhar. Colocar em prática o que aprendi na faculdade, além de precisar pagar minhas dívidas e começar a ajudar minha mãe e irmão que estavam sofrendo dificuldades financeiras.
Eis que entra o esquema do exército. O exército tem o benefício de poder passar na residência médica e guardar a vaga conquistada por até um ano. Ou seja, se você passou na prova de residência, pode ficar um ano trabalhando no Exército e depois retornar com vaga garantida para fazer a Especialização.
Em resumo, o Exército era a melhor solução para eu poder trabalhar como médico, sem desfocar no meu caminho de especialização para o futuro.
Mas quem não entra no exército não pode trabalhar? é lógico que pode, mas no caso, teria que gastar boa parte do tempo estudando assuntos básicos de medicina, para prestar novamente a concorrida residência. Portanto, não conseguiria focar tanto no trabalho e passaria por um ano preocupado com as provas de Residência. Eis que o exército fornece essa tranquilidade de focar em trabalho e estudar o que realmente importa para atuar como médico.
Como funciona a escolha dos médicos?
Após a prova, existe uma reunião para completar conforme já disse, as vagas do Estado de São Paulo e na região do Amazonas.
Em 2008 minha esposa era ainda minha namorada, e ela não queria (com razão) que eu fosse para longe. Dito isso, como eu não sabia em que posição eu ficaria, tive que estipular um limite até quão longe eu poderia ir para servir o exército. Os lugares que escolhi foram:
Ribeirão Preto: não passava pela minha cabeça conseguir a vaga de Ribeirão Preto, era uma única vaga que normalmente não ficava disponível, e geralmente era preenchida por especialista, um especialista com bom currículo teria preferência e poderia ficar até 07 anos ocupando a vaga e não liberando para mais ninguém. Além disso, médicos de outros lugares poderiam pedir transferência e ocupar a vaga, antes mesmo de surgir essa vaga na seleção que passaria no Exército.
Pirassununga: tinha duas vagas do Exército Brasileiro e era minha maior esperança de ficar próximo de Ribeirão Preto.
São Paulo: como tenho família em São Paulo e o acesso é fácil, era uma boa opção, mas também era difícil porque quem era de São Paulo, da USP ou da Paulista, provavelmente iria querer ficar em São Paulo ocupando as vagas.
Guarujá: essa era uma dúvida, já ficava bem mais longe. Confesso que até o dia do resultado ainda não tinha certeza se iria ou não para o Guarujá
Curralinho no Pará: não, não, não, não era uma opção, muito distante da minha família e da minha esposa, hehe.
Como foi o resultado?
Já soltei o spoiler logo no começo, rs, mas nem por isso vou deixar de falar desse dia tão feliz!
Fomos (os alunos do sexto ano de medicina) todos para São Paulo.
Éramos reunidos em uma enorme sala junto com os alunos de todo o estado de São Paulo de várias faculdades estaduais e federais.
Era tanta gente (tem muito médico se formando em São Paulo, né?) que a reunião teve que ser dividida em dois dias. O primeiro dia era reservado para escolha dos voluntários. Quem ficou bem colocado na prova e era chamado, poderia escolher entre servir o exército e escolher o local, ou ser liberado. No segundo dia, continuava até que os últimos colocados eram obrigados a ir para os locais que ninguém escolheu. Sendo sincero, não sei ao certo como funciona exatamente esse segundo dia, pois sai no primeiro dia, mas era algo do tipo pelo que me falaram.
Mas, como foi o resultado Rafael?
Finalmente, depois de muita ansiedade e espera eu iria saber meu destino.
Começaram a chamada!
De todos os médicos o primeiro chamado foi um colega de faculdade: Felipe Fulano da Silva (vou preservar o nome verdadeiro deixando um fictício)
Na hora eu pensei comigo, já era minha vaga de Ribeirão Preto, mas tudo bem, ainda tem Pirassununga.
Segundo chamado: Rodolfo Ciclano da Silva (não lembro se era de Botucatu ou da Medicina USP)
Ufa! Ainda têm as duas vagas de Pirassununga, pensei comigo.
Terceiro chamado: Rafael Vinícius Otsuzi
Ops…será que eu ouvi direito…inacreditável…foi para mim realmente inacreditável, meu nome chamado rapidamente, meu maior desejo no momento sendo realizado.
Fui ao palco, já sabendo que tinha a vaga de Pirassununga tão desejada garantida.
Cheguei no alto do palco montado e o militar perguntou: “O senhor deseja servir o Exército?”
“SIM“– eu disse
“Qual local?” me perguntou o militar
“Ribeirão Preto se ainda tiver como”.
E o militar disse empolgado: “Ribeirão Preto – 5ª CSM melhor lugar para servir o exército”!!!
Fui para o local seguinte assinei o documento e novamente outro militar me disse: 5ª CSM…Parabéns todos gostam de servir lá!!
Sai do local, transbordando de alegria, não podíamos usar o celular dentro daquele local, fui para próximo da rua, liguei para minha esposa e contei que iriamos ficar mais um ano juntos! Não teríamos que conviver separado, pois eu iria mudar meu local de trabalho da Faculdade, para a Rua Duque de Caxias no centro de Ribeirão Preto! Foi uma imensa comemoração!!
O impossível tinha acontecido. Pela primeira vez, um recém-formado, sem nenhuma especialidade, estaria entrando na vaga de médico em Ribeirão Preto. Antes de mim, estava um cirurgião que passou em cirurgia plástica e liberou a vaga, antes dele tinha um ginecologista que ficou durante 07 anos ocupando a vaga, e antes dele a mesma coisa. Foi uma surpresa incrível para mim.
E o outro lado da moeda?
Enquanto eu estava morrendo de vontade de servir o exército, outros colegas faziam de tudo para escapar. Tinha um colega que queria ser cirurgião plástico e não queria de forma alguma ir para o Exército. Porém ficou mal colocado e foi chamado para a região do Amazonas. Dizem que tentou de tudo para se livrar de trabalhar em Manaus. Há relatos de que foi com sua mãe no primeiro dia de trabalho, alugou um hotel e quebrou tudo que tinha dentro do hotel, alegando que está com problemas psiquiátricos. Não me recordo se deu certo ou não, mas cada coisa, né!.
Porque mencionei os fatos acima?
Porque acredito ser muito diferente, você ir para um lugar que sempre quis, com uma energia boa e você ir contra sua vontade. No meu caso, como eu queria muito ir para o exército, trabalhar e ainda guardar minha vaga de residência, eu entrei no trabalho com uma energia positiva, com vontade de trabalhar e fui muito bem recebido.
Coisas boas atraem coisas boas!
Como era o dia a dia de um médico no exército?
Acredito que cada lugar é diferente, conforme ficou bem claro, Ribeirão Preto era um ótimo local. Pelo que entendi, muitos que estava em Ribeirão Preto, tinham sido transferidos após longo tempo de carreira militar, como forma de merecimento. Passavam um tempo em Ribeirão e depois eram transferidos para outros lugares.
O que posso dizer sobre a rotina de trabalho militar em Ribeirão Preto?
Primeiro é que o exercício físico era rotina dentro do expediente 3 vezes por semana. Sei que alguns não iriam gostar. Tinha um dentista de Pirassununga que não gostava muito não, rs. Mas eu adorava, ter que correr antes de começar a trabalhar, era muito bom. Uma vez por semana tinha esporte – futebol ou vôlei…bem gostoso. E ainda tinha a disputa entre o time de oficiais contra os soldados. Apesar dos soldados terem um jogador top, o time de oficiais era muito bem entrosado, e sempre ganhávamos!
Começar o expediente assim, era uma ótima forma de ter disposição e energia para o restante do dia. Nunca mais na vida consegui ter esse tipo de rotina de exercício antes do trabalho.
Ribeirão Preto era um lugar diferente dos outros lugares do exército e foi entendendo aos poucos. O expediente acabava as 17 horas, ou seja, saia do trabalho e ainda tinha luz, mesmo sem horário de verão. Qual médico que termina de trabalhar as 17 horas todos os dia? Poucos.
Hoje, a maioria das segundas e quartas-feiras saio do consultório as 22h30. Observação: não estou reclamando dos dias de hoje pois é uma escolha minha, na verdade agradeço por ter trabalho, somente citei para efeitos comparativos de como era bom terminar de trabalhar antes do dia escurecer.
Estava ganhando um salário bom como aspirante a oficial e no meio do ano virei 2ª Tenente e o salário subiu um pouco. Tinha qualidade de vida, tempo, satisfação no trabalho, uma rotina de exercícios físicos, adorava chegar o dia do futebol (foi o último ano da minha vida, que joguei futebol regularmente para ser sincero). No entanto, como a maioria dos médicos, comecei a querer pegar plantões. Havia dito que minha vontade de trabalhar era grande né?
Nessa época eu não era especialista então tinha que pegar plantões de porta de hospital como generalista (atendendo de tudo – trauma, crianças, grávidas, etc).
Acabei preenchendo os horários livres com plantões. Então minha rotina ficou mais ou menos assim:
Segunda-feira pela manhã trabalhava em Serra Azul (virei coordenador da escala de plantonistas por lá). Saia de Serra Azul viajava para Ribeirão Preto e chegava ao exército. Expediente curto de segunda-feira, mas saia do trabalho e emendava com um plantãozinho até meia noite no convênio da Santa Casa de Ribeirão Preto.
No dia seguinte, exercício físico de manhã (durante o trabalho! Que coisa boa!) e depois plantão a noite na cidade de Dumont.
Outros dias, eu não me recordo tão bem de tudo, mas eu era aquele tipo de médico que se alguém pedisse um favor de cobrir algum plantão eu acabava ajudando. Não tinha medo ou preguiça de ir onde quer que fosse. Outro dia parei para contar e vi que trabalhei em mais de 40 serviços diferentes ao longo desses 13 anos de formado. Eu fui a várias das cidadezinhas ao redor de Ribeirão Preto. Tinha energia, vontade de trabalhar e não conseguia dizer não a um colega que pedisse ajuda.
O primeiro carro que comprei
Meu carro na época era um golzinho que foi ficando velho, dava problema toda hora. Em relação a carro, nunca fui de querer comprar carrões e também até hoje nunca comprei um carro zero. Hoje, tenho, graças a Deus, um carro bom que escolhi para ter segurança. Dito isso, estava indo para um plantão em Guatapará, quando de repente a trava de segurança do capô do carro se soltou e o capô abriu com tudo, dando um baita barulho como se fosse uma batida e atrapalhando totalmente minha visão. No susto joguei o carro para o estacionamento. Quase um acidente, era o sinal que tinha passado da hora de trocar de carro.
Assim, aproveitando que já estava ganhando meu próprio dinheiro, comprei a prestação o carro do Coronel. Porque o carro do coronel? Porque era um carro muito bem conservado. O Coronel era culto, muito sábio, humilde e simples. Tinha um carro, mas quase não usava, usava mais o veículo do exército. Era uma pessoa fácil de se comunicar, de confiança e também teve confiança em me vender parcelado. Pois bem, comprei o carro do Coronel, nada demais, um Fiat Idea seminovo muito bem conservado. Foi o primeiro carro que comprei na vida e fiquei com ele até quebrar também.
Já que estou dentro do assunto VIDA DE MÉDICO, aqui vou entrar em generalizações que claramente tem suas exceções. Nenhum dos militares concordou muito com minha compra, falaram que eu estava pagando caro, me perguntaram como eu iria conseguir pagar e tal. A resposta => plantões!
Padrão financeiro médico vs militar – as diferenças
De maneira geral, os militares que conheci, tinham uma vida bem regrada, economizavam, compravam imóveis quando dava, como forma de investimento. Já os médicos, ah, acham que podem comprar tudo e pagar com plantões. Aqui peço desculpas para as exceções, mas médico administra muito mal o dinheiro que ganha. Ganha relativamente bem ou talvez não, mas trabalha muitas horas e gasta bastante. Infelizmente muitos (mas não todos) são assim. Por outro lado, temos a seguinte questão: com o salário do exército e com os complementos dos plantões, o salário mensal, chegava a ser o mesmo, ou até maior do que o próprio Coronel. Ou seja, um médico recém formado disposto a trabalhar bastante, já consegue atingir e até ultrapassar um salário de um respeitado Coronel – Chefe. (porém tem um detalhe que vou mencionar abaixo).
É só uma comparação ilustrativa, porque na verdade estamos falando de muitas mais horas de trabalho para nós médicos em condições de trabalho nem sempre adequadas.
Outra comparação era que enquanto eu estava fazendo dívidas (comprando carro), o Coronel estava acumulando patrimônio (comprando casas) e tendo renda extra fora do salário recebido, portanto, não tenho como afirmar que no final das contas meu salário era maior, provavelmente se juntar esse fator, o Coronel recebia mais (merecidamente pelo seu planejamento financeiro mais adequado). Ou seja, mesmo trabalhando menos, juntando seus rendimentos, recebia mais.
Por fim, tudo isso que falei é um comparativo que me ficou nítido sobre essa diferença de agir financeiramente entre médicos e militares. Usei o exemplo do Coronel que estava acumulando patrimônio, algo merecido por ter conseguido chegar em tão alto posto e ter economizado, levando uma vida sem luxo, para ir rumo a independência financeira. Que sirva de lição para nós médicos que ao nos envolvermos no trabalho, deixamos o planejamento financeiro de lado e o gasto e padrão de vida só vai aumentando, gerando mais trabalho e por ai vai como muitos devem perceber….
Em resumo, com todas as diversas exceções que existem, médico consegue ganhar bem, porém gasta bem também, inclusive com atualizações, cursos, viagens, carros, gastos de consultórios/clínicas, etc. Militar tem um controle financeiro mais adequado. Pelo menos foi isso que percebi nessa minha passagem no Exército Brasileiro.
O que eu fazia no exército?
As funções eram diversas:
Fazer a liberação para o TAF (Teste de Aptidão Física),
Autorizar encaminhamento para especialidades
Administrar Aulas de instrução relacionado a saúde.
Acompanhamento médico em grandes eventos e nos testes periódicos de aptidão física
Atividades administrativas do FUSEX, incluindo auditar contas
Consultas médicas dos militares e conveniados ao FUSEX
Etc.
Um dos meus trabalhos principais que durou o ano todo, foi dar suporte ao soldado que teve uma parada cardíaca, um dia antes de eu começar meu trabalho em Ribeirão Preto.
Esse relato deixei descrito nesse link: Caso Clínico #01 – O Soldado Ryan
Doutor, me parece muito bom tudo o que você falou, mas porque então que tem médico que não quer ir para o exército?
Bom, não sei se ficou claro, mas estou falando de duas realidade diferentes.
A 5ª CSM era um local pequeno, local administrativo do Exército Brasileiro, considerado por muitos militares um excelente local de trabalho. Acredito que nem todo lugar seja assim.
Em Ribeirão Preto, por eu ser o único médico, eu era liberado das campanhas (que médicos não gostam), onde se ia para a mata ficar acampado e coisas do tipo.
A passagem do Exército também depende dos seus superiores. Felizmente, tive um Coronel sábio e justo, que sempre agiu com muito bom senso. Na minha despedida, o Coronel falou para todo mundo que apesar de muitos criticarem o fato dele não ter colocado muita coisa burocrática para eu fazer, ele não se arrependeu. Ele disse que eu era o único doutor disponível e que dessa forma, tínhamos que preservar o que eu poderia ajudar em relação a questões médicas.
Tirando o Coronel Chefe da 5ª CSM, o único superior em patente era o Tenente-Coronel subchefe. Um dia ele me falou que seu pai tinha tido um AVC e que estava recebendo AAS + Clopidogrel. Eu disse para o Subcomandante que isso não era uma rotina que nós usávamos no HC e que aumentava a chance de sangramento. Certo dia, recebeu uma ligação que seu pai tinha sangrado e estava sendo internado em UTI para correção de hipotensão e transfusão sanguínea. A partir desse dia, passou a conversar cada vez mais comigo e pedir conselhos médicos e indicações. Entre essas e outras, fui ganhando confiança do pessoal nesse local de trabalho.
Mas conforme eu disse, nem tudo são flores, há colegas médicos que sofreram em mãos de superiores que não os respeitavam.
Mais uma vez reforço algo que não acho ser pura coincidência: Se você está em um lugar que gosta de trabalhar, que você escolheu, com uma energia positiva, a chance de surgirem coisas boas é maior!
Energia positiva atrai energia positiva
Em relação a casos médicos, o que o Exército deixou de ensinamento para os dias de hoje?
Uma das lições principais é sobre a atividade física.
O exercício físico sendo rotina do próprio trabalho, trazia um benefício enorme para todos.
No exército vi muitos perfis de colesterol HDL (Colesterol Bom) em níveis excelentes.
Já fiz um texto descrevendo a relação entre HDL (Colesterol Bom) e a aptidão cardiorrespiratória. Como aumentar o HDL (colesterol bom)?
Outro detalhe que julgo relevante é que quase não tinha hipertensão.
Em um quartel com 40 pessoas, era de se esperar em média 12 hipertensos ou mais.
Me recordo de seguir somente 01 hipertenso. Um único paciente hipertenso bem controlado, fugindo das estatísticas brasileiras que coloca 30% da população brasileira como hipertensa, além de 80% de descontrole pressórico.
Mais um benefício dos exercícios físicos e manutenção do peso sobre controle.
Além disso, recordo que em determinada época foram suspensos os exercícios físicos regulares. Não lembro o motivo exato. Acho que alguma meta estava atrasada para o final do ano.
Com essa suspensão, meu consultório se encheu de queixas relacionadas a insônia, ansiedade, palpitações.
Mais um vez, reforço que exercício físico regular em uma intensidade moderada a intensa, libera endorfina que ajuda a relaxar (controlando a ansiedade) e ajuda na qualidade do sono.
Em cerca de 10 dias após suspensão dos exercícios, 03 colegas do trabalho me relataram ou me procuraram com queixas de que estavam dormindo mal. Não foi coincidência, os benefícios dos exercícios físicos são cientificamente comprovados, além de ter visto na prática sua importância logo no meu primeiro ano de formado. Algo que carrego como positivo para minha prática atual do dia a dia de consultório cardiológico.
Tudo que é bom tem um fim?
Nesse caso sim!
Infelizmente na época, gostaria muito de ter ficado mais alguns anos no exército. Só que a regra de guardar a vaga de residência é válida somente por um ano. Apesar da tentação de manter essa vida por mais 07 anos, tinha que tomar a decisão de sair. Sabemos que o tempo passa rápido e o que seria de mim após os 07 anos (limite máximo da época para ficar como oficial temporário do exército)?
Residência Médica vs Exército!
Sai do exército e tudo mudou.
A qualidade de vida passou a ser péssima.
O salário passou a ser muito ruim se levarmos em consideração o número de horas trabalhadas e a responsabilidade adquirida.
Já não tinha tempo para nada no meu primeiro ano de residência.
Foi um choque de vida, sai de um dos meus melhores anos para um dos piores anos em relação a qualidade de via que foi a Residência Médica. Isso me levou a ter depressão por alguns meses pela primeira e única vez na vida, mas isso fica para um próximo capítulo da série de textos – Vida de Médico – Residência Médica.
A Despedida
Depois de ter sido tão bem tratado no exército, organizamos uma despedida.
Comprei um bolo de mousse de chocolate da Iceland…devo ter calculado mal, nós militares devoramos o bolo em pouco tempo haha…e Salgadinhos.
Como surpresa, recebi uma bela homenagem do Coronel o qual guardo com carinho até hoje. Faz mais de 10 anos que não o encontro mas lembro dos seus discursos como se fosse hoje e persiste minha admiração por tal pessoa.
Recebi um porta-retratos personalizado com uma montagem do meu tempo no exército.
Uma bela placa.
Um discurso em que o Coronel enfatizou o respeito que teve comigo como o único “doutor” naquele ano.
Um porta lápis de escritório que também guardo até hoje. E minha Carta-Patente de Oficial da Reserva do Exército Brasileiro.
E ficam as boas lembranças como os atendimentos que realizava, em que tinha tempo suficiente para uma boa consulta e recursos para encaminhamento quando precisava, além de conhecer mais sobre a vida de militares, das conversas e amizades com os colegas da 5ª CSM. Foi nesse ano que tive um pouco mais de tempo livre na vida e nas férias minha esposa me levou para aulas de dança de salão que acabamos gostando e virando nosso hobby, além das disputas de futebol contra os soldados, ainda conseguia organizar um futebol extra a noite 01 a 02 vezes por mês, sendo o último ano que ainda joguei futebol de maneira regular. Comprei meu primeiro carro com meu próprio dinheiro, paguei todas as dívidas, inclusive a bolsa que recebi do Bunkyo, ajudava minha mãe e ainda sobrava um dinheiro do salário, que guardava para não passar muito aperto financeiro na residência médica que estava por vir, enfim um ano que gostaria de manter na memória!